Variações na mucosa ao longo do tracto gastrointestinal
Vânia Constâncio
Apesar de se acreditar que a restrição calórica tem um papel fundamental no incremento da longevidade a ingestão/absorção de alimentos continuam a ser fundamentais para assegurar a vida.
O sistema gastrointestinal é o responsável pelo fraccionamento dos alimentos e pela sua absorção pelo corpo e histologicamente é formado por quatro camadas funcionais distintas: mucosa, submucosa, muscular e adventícia (Fig.1).
Figura 1 - Estrutura geral do tracto gastrointestinal. |
O tracto gastrointestinal é fundamentalmente um tubo muscular revestido por uma membrana mucosa que exibe variações regionais que reflectem a modificação das funções do sistema, desde a boca até ao ânus.
A camada mais superficial do tracto gastrointestinal é a camada mucosa. A camada mucosa é constituída por três componentes: epitélio (Fig.1 A), lâmina própria (Fig.1 B) e muscular da mucosa (Fig.1 C). A lâmina própria tem como principal função a sustentação do epitélio e é formada por tecido areolar, sendo rica em capilares sanguíneos e linfáticos e apresentando, em alguns órgãos, como o esófago, intestino delgado, intestino grosso, e apêndice, quantidades consideráveis de linfócitos. A componente muscular da mucosa é formada por várias camadas de fibras musculares lisas, em que as mais profundas estão orientadas paralelamente à superfície luminal e as mais superficiais em ângulo recto com a mesma, e se estendem até à lâmina própria entre as glândulas, sendo responsável por manter a superfície da mucosa, bem como as glândulas, em estado constante de leve agitação que permite expelir as secreções das glândulas profundas e impede a obstrução, acentuando o contacto entre o epitélio e o conteúdo do lúmen para absorção.
Ao longo do tracto gastrointestinal encontramos quatro tipos de mucosa, classificados de acordo com a sua função principal em:
- mucosa protectora,
- mucosa secretora,
- mucosa de absorção,
- mucosa de absorção/protecção.
A mucosa protectora é constituída por epitélio pavimentoso estratificado, que se caracteriza por apresentar um número variável de camadas celulares, e que está bem adaptado para resistir à abrasão mecânica. Este epitélio pode ser queratinizado sobretudo em áreas de maior fricção, como é o caso do palato. Este tipo de epitélio está presente na cavidade oral, na faringe, no esófago (Fig.2) e no canal anal.
Figura 2 - Corte histológico do esófago. |
O segundo tipo de mucosa encontrada no tracto gastrointestinal é a mucosa secretora, presente no estômago (Fig.3).
Figura 3 - Mucosa do fundo do estômago |
Esta mucosa é rica em glândulas tubulares longas (Fig. 3 12, 13 e 14), bastante numerosas e densamente agrupadas, e que podem ser simples (quando o ducto excretor não é ramificado) ou ramificadas dependendo da região do estômago. O estômago é formado por três regiões com composições histológicas distintas: cárdia, corpo ou fundo e piloro. A cárdia, correspondente aos primeiros 2 a 3 cm, é uma área pequena de glândulas tubulosas simples ramificadas e turtuosas e que circunda a entrada do esófago. Apresenta fundamentalmente três tipos de células das quais as maioritárias são as mucosas, produtoras de muco mas apresenta também as parietais ou oxínticas, produtoras de HCl e factor intrínseco, e as entero-endócrinas, produtoras de somatostatina e glucagon. O corpo ou fundo (Fig.4) é a principal região histológica e é a maior porção apresentando criptas pequenas e glândulas longas e direitas a terminar na muscular da mucosa. Apresenta fossetas gástricas que ocupam cerca de 1/4 da espessura da mucosa e cada uma tem entre uma e sete glândulas gástricas a abrir-se no seu interior. As glândulas gástricas do corpo possuem uma população mista de células, que inclui: células mucosas superficiais (Fig.4 A), que revestem a superfície do estômago e as criptas gástricas, produzem mucinogenio que fica armazenado em grânulos no citoplasma e é protector da mucosa, possuem microvilosidades apicais e secretam iões bicarbonato; células mucosas do colo (Fig.4 C ), com grânulos secretores maiores e mais polirribossomas que as superficiais, localizadas entre as células parietais e a base da glândula; células parietais ou oxínticas (Fig.4 B), mais numerosas no istmo (Fig.4 2) da glândula e responsáveis pela secreção de ácido gástrico e de factor intrínseco, apresentam citoplasma eosinofílico abundante e núcleo em localização central; células principais, pépticas ou zimogénicas (Fig.4 E), com núcleos condensados, de localização basal, e citoplasmas granulares fortemente basofílicos, que reflecte o seu grande conteúdo em ribossomas e secretoras de pepsina; células entero-endócrinas, secretoras de serotonina e outras hormonas (Fig.4 F) e células-tronco (Fig.4 D), difíceis de identificar em cortes da mucosa gástrica normal, mas com numerosas mitoses observáveis após ter ocorrido lesão da mucosa.
Figura 4 – Zona superficial da região fúndica do estômago |
A região terminal do estômago é designada por piloro e é formada por criptas fundas, algumas ramificadas, e glândulas curtas turtuosas. Aqui observa-se o espessamento da camada circular da muscular externa. O piloro apresenta fundamentalmente quatro tipos de células: mucosas, parietais, entero-endócrinas e principais ou zimogénicas, produtoras de gastrina e somatostatina.
Uma vez completa a formação do quimo, o esfíncter pilórico relaxa e permite que o quimo líquido seja lançado no duodeno, a primeira porção do intestino delgado. É no intestino delgado, formado por 3 porções, o duodeno, o jejuno e o íleo, que encontramos um terceiro tipo de mucosa, a mucosa de absorção. Esta mucosa permite assegurar a principal função do intestino: a absorção de gorduras e de outros nutrientes. Esta mucosa dispõe-se em pregas dispostas circularmente, designadas por pregas circulares ou válvulas de Kerkring, particularmente numerosas no jejuno; vilosidades, projecções digitiformes que assumem a forma de criptas entre as suas bases, as criptas de Lieberkuhn; e as microvilosidades, presentes na superfície luminal dos enterócitos. O epitélio de revestimento intestinal possui vários tipos de células, são elas: enterócitos (Fig.5 9 13), células de absorção que apresentam as microvilosidades; células caliciformes, produtoras de mucina; células de Paneth (Fig. 6), na base das criptas e com grânulos apicais eosinofilicos muito abundantes, núcleo central e reticulo endoplasmático rugoso abundante, responsáveis pela produção de lisosima; células entero-endócrinas, localizadas no 1/3 inferior das criptas e nas vilosidades, com núcleo central e citoplasma pálido, produtoras de serotonina, entero-glucagon, somatostatina, secretina, gastrina, motilina e péptido vasoactivo intestinal; células-tronco; células M, especializadas na defesa imunológica intestinal, e sobretudo a revestir as placas de Peyer localizadas no íleo; e linfócitos intra-epiteliais (Fig.5 6). O duodeno e o íleo têm características próprias e que nos permitem distingui-los do jejuno. O duodeno caracteriza-se por possuir glândulas de Brunner (Fig.7), que são glândulas tubulares ramificadas e enoveladas que se encontram sobretudo na submucosa e cujos ductos vão para cima através da muscular da mucosa, para se abrirem dentro das criptas, entre as vilosidades da mucosa. Por outro lado, as vilosidades tendem a ser mais longas no duodeno e a ficar progressivamente mais curtas à medida que nos aproximamos do íleo, ao passo que o tecido linfóide se torna mais proeminente nesta última porção, assim como a proporção de células caliciformes.
Figura 5 – Intestino Delgado / Vilosidades |
Figura 6 – Células de Paneth |
Figura 7 – Glândulas de Brunner |
Por último, no intestino grosso, constituído por cego com apêndice, cólon ascendente, transverso e descendente, cólon sigmóide, recto e ânus, encontramos o quarto e último tipo de mucosa, a de absorção/protecção. Esta mucosa é pregueada, com pregas longitudinais acima das válvulas anais chamadas de colunas de Morgnani (Fig.9 8), e dispõe de glândulas tubulares simples, densamente agrupadas e constituídas por células especializadas na absorção de água (células cilíndricas (Fig.8 13), com núcleos basais e microvilosidades apicais) e secreção de muco (células caliciformes (Fig.8 21), com vacúolos de mucina maiores no cólon sigmóide e recto) que lubrifica a passagem das fezes. Além destas células este epitélio dispõe ainda de células estaminais, na base das glândulas tubulosas e células endócrinas, localizadas na metade inferior das glândulas tubulosas, produtoras de somatostatina e glucagon. A lâmina própria preenche o espaço entre as glândulas e contêm numerosos vasos sanguíneos e linfáticos, para dentro dos quais é absorvida água por difusão passiva (Fig.8). Contém agregados linfóides que em alguns casos podem romper a muscular da mucosa e invadir a submucosa. O apêndice e o recto têm algumas diferenças em relação a esta estrutura geral. O apêndice, com mucosa sem pregas e sem vilosidades, e com glândulas tubulosas em menor quantidade do que no resto do intestino, possui células cilíndricas, caliciformes, endócrinas e algumas células de Paneth e estaminais e uma camada muscular da mucosa pouco desenvolvida. O recto caracteriza-se pela presença de células de Lieberkuhn, tubulosas e por vezes ramificadas, com muitas células caliciformes.
Figura 8 – Intestino grosso |
É o epitélio do intestino grosso que permite assegurar o propósito do intestino grosso no tracto gastrointestinal, que consiste fundamentalmente em converter o conteúdo intestinal líquido em desperdício sólido, através da reabsorção de água e sais solúveis, e na propulsão do mesmo em direcção ao recto, função que é assegurada pela presença de uma camada muscular da mucosa proeminente e de contracção rítmica. Quando passamos do recto para o ânus encontramos a junção recto-anal (Fig.9), que corresponde à passagem da mucosa contendo glândulas de Lieberkuhn e epitélio cilíndrico, para uma mucosa com epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado (Fig.9 10), que se torna queratinizado no ânus (Fig.9 14), com folículos pilosos e glândulas apócrinas e merócrinas.
Figura 9 – Junção recto-anal |
Bibliografia
- Young B, Health JW. Wheather Histologia Funcional. Texto e atlas em cores. 4.ª ed., Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2001
- Junqueira LC, Carneiro J. Histologia Básica. 10ª ed., Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2004
- http://www.bu.edu/histology/m/t_diges2.htm
- http://www.fcnym.unlp.edu.ar/catedras/histologia/archivos%20MatDid/Atlas%20Di%20Fiore/difiore.html
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