Placas β-amiloide e Bexaroteno
Raquel Rocha
A doença de Alzheimer é uma doença cerebral, progressiva, irreversível e com causas e tratamento mal conhecidos. Começa por atingir a memória e, progressivamente, as outras funções mentais, acabando por determinar a completa ausência de autonomia dos doentes. Os doentes de Alzheimer tornam-se completamente dependentes e deixam de reconhecer os rostos familiares.
A forma mais comum de Doença de Alzheimer (DA) ocorre na idade idosa e é caracterizada pela deposição de β-amiloide (βA) no cérebro. (Figura 1)
Figura 1 – Placas de amilóide (5) |
Os indivíduos com Alzheimer de início tardio produzem péptideos β-amilóide a níveis normais contudo apresentam um comprometimento na capacidade de os eliminar do cérebro.
Elevados níveis de βA estão associados com perturbações da função sináptica e da atividade da rede neuronal que provavelmente estão subjacentes aos défices cognitivos da DA.
Além do mais, a acumulação de βA leva à sua deposição em placas e acredita-se que conduz a uma cascata patológica, que leva à morte neuronal.
Figura 2-A hipótese da doença de Alzheimer como uma patologia do envelhecimento.(6) |
O factor de risco genético mais influente na DA esporádica é a variação alélica na apolipoproteina E (apoE). A presença de um alelo apoE4 aumenta significativamente o risco de doença. A ApoE actua normalmente como esqueleto na formação de particulas de HDL (highdensity lipoprotein), o que promove a degradação proteolítica de formas solúveis de βA.
A expressão de apoE é regulada pelos receptores activados por ligando: peroxisome proliferator–activated receptor gamma (PPARy) e liver X receptors(LXRs). Estes formam heterodímeros com retinoid X receptors (RXRs). A actividade transcriptional é regulada pela ligação de qualquer dos membros do par.
PPARy:RXR e LXR:RXR actuam para induzir a expressão de apoE, os seus transportadores lípidos ABCA1 e ABCG1 e mesmo os receptores nucleares. Agonistas destes receptores também actuam em macrófagos e na microglia para estimular a sua conversão para estados “alternativos” de activação e promover a fagocitose. A administração crónica de LXR e PPARy agonistas reduz os níveis de βA e melhor a função cognitiva nos modelos de ratinhos com DA.
O bexaroteno (Targretin), foi aprovado pela Food and Drugs Administration, em 1999 e é um agonista RXR usado no tratamento de um linfoma cutâneo de células T.
Neste artigo, o bexaroteno foi usado para aumentar a eliminação de βA através da ativação de PPARy:RXR e LXR:RXR , induzindo a expressão de apoE, facilitando a eliminação de βA e promovendo a fagocitose microglial.
Figura 3 - Estimulação dos receptores nucleares aumenta a expressão de apoE e a clearance de βA do cérebro por um mecanismo que requer apoE (2) |
Os níveis de βA no líquido intersticial cerebral (ISF) foram monitorizados através de microdialise hipocampal in vivo em ratinhos com 2 meses. O Bexaroteno baixou rapidamente os níveis de ISF βA 40 e βA 42 após 6 horas de administração, e com redução de 25% pelas 24 horas. Esta supressão de ISF βA ocorreu devido ao aumento da clearance, pois a meia-vida de βA 40 foi reduzida de 1,4 para 0,7 horas.
O bexaroteno não teve efeito nos níveis de βA em ratinhos apoE “knock-out”, demonstrando assim que o aumento da clearance de βA no líquido intersticial cerebral requer a presença de apoE.
Estas observações apoiam fortemente a hipótese que apoE tem um papel critica na redução da quantidade de βA no cérebro através do aumento da sua remoção, e que estratégias aumentando a expressão de apoE em doentes poderá ser verdadeiramente modificador na DA.
Ao administrarem bexaroteno em ratos de 6 meses durante 3,7, ou 14 dias observou-se que um aumento progressivo na expressão de apoE, ABCA1, e ABCG1 e elevados níveis de HDL quer no hipocampo como no córtex cerebral. Houve uma diminuição de 30% nos níveis de βA soluvel nos 14 dias de tratamento. βA insolúvel foi reduzida em 40% após 72 horas e decrescendo progressivamente durante os 14 dias seguintes.
Placas de βA totais foram reduzidas em cerca de 75% após 14 dias de tratamento de bexaroteno.
Figura 4 – Imagem do córtex e do hipocampo de ratinhos tratados com bexaroteno e ratinhos sem tratamento marcados com anticorpo anti-βA, 6E10. (1) |
Também foi testado o efeito crónico de tratamento com bexaroteno (diariamente durante 3 meses) em ratinhos com pelo menos 6 meses de idade. Encontraram elevados níveis de apoE, ABCA1, ABCG1 e HDL. O bexaroteno reduziu os níveis de βA solúvel em cerca de 30%, contudo a quantidade de placas amiloides não sofreram alterações.
Não obstante, o tratamento com bexaroteno rapidamente restaurou a memória e a cognição, avaliada pelo condicionamento de medo contextual nos ratinhos tratados por 7 dias (com 6 ou 11 meses).
Finalmente, os autores verificaram se o bexaroteno poderia recuperar a sensação olfactiva (perdida na DA), que se encontra altamente correlacionada com a deposição de βA. Bexaroteno melhorou a sensação olfactiva após 9 dias de tratamento em ratinhos com 12 a 14 meses de idade.
Concluindo, neste trabalho demonstrou-se que o bexaroteno reverte os efeitos de neurodegeneração em modelos de ratinhos com DA, o mecanismo da apoE e que a manipulação farmacológica de um medicamente que já se encontra aprovado pela US Food and Drug Administration para outra patologia, aumenta dramaticamente a expressão de apoE, acelera a remoção de βA do cérebro e, além disso, inverte comportamentos anormais nos modelos de ratinhos com DA.
Este estudo dá nova esperança a décadas de investigação de examinação de vias celulares e moleculares na DA que poderá em breve desenvolver novas terapias para esta doença.
Contudo e apesar de providenciar grande motivação para ensaios clínicos, as observações nos ratinhos pode não ser necessariamente extrapolado para humanos.
A sequência de aminoácidos da apoE nos ratinhos não é idêntica a nenhuma das isoformas da apoE humanas, e o modelo transgénico de ratinhos não recapitular o emaranhado neurofibrilar da neuropatologia da DA. A rápida remoção de βA do cérebro dos ratinhos pode ter ainda consequências inesperadas no comprometimento da integridade da barreira sangue-cérebro.
Apenas ensaios clínicos cuidadosamente realizados poderão determinar se esse medicamento, ou medicamentos relacionados, podem beneficiar os doentes com DA.
Bibliografia
- P. E. Cramer et al., ApoE-Directed Therapeutics Rapidly Clear b-Amyloid and Reverse Deficits in AD Mouse Models, Science 335, 1503 (2012); 10.1126/science.1217697.
- W.J. Strittmatter, Old Drug, New Hope for Alzheimer's Disease, Science 335, 1447 (2012); 10.1126/science.1220725
- http://anatpat.unicamp.br/bineualzheimer.html
- http://www.proprofs.com/flashcards/cardshowall.php?title=neuro-pathology
- http://furiouspurpose.me/early-success-reported-in-treating-alzheimers-disease-in-mice/
- http://www.jneurosci.org/content/30/50/16755
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