O Cancro da Próstata

Procurando a célula de origem do cancro da próstata
Joana Marinho


Introdução 
O cancro da próstata é um dos mais frequentes no homem, representando uma importante causa de morte. Apesar dos inúmeros avanços clínicos e ao nível da investigação para uma melhor compreensão acerca da iniciação e progressão deste tipo de cancro, ainda muito continua por esclarecer. Um enorme avanço no diagnóstico surgiu nos últimos 30 anos com a pesquisa do Antigénio prostático específico (PSA). O PSA é uma enzima produzida pelas células da glândula prostática em condições normais, mas que é libertada para o sangue quando a arquitetura normal dos tecidos é alterada (Lilja et al. 2008). Se os níveis de PSA forem elevados procede-se à realização de uma biopsia e posterior caracterização histopatológica do tecido de acordo com a escala de Gleason. Recentemente foi também mostrada a existência de pequenas quantidades de PSA em tecidos não prostáticos como mama, ovário, glândula salivares, entre outros.



Estrutura da glândula prostática 

A glândula prostática está localizada na cavidade pélvica, inferiormente à bexiga, onde rodeia a parte prostática da uretra. Consiste em 30 a 50 glândulas túbulo-alveolares dispostas em 3 camadas concêntricas: uma zona periférica (Figura 1-1) que rodeia a uretra distal onde estão contidas a maior parte das glândulas prostáticas. É o local onde se formam 70% dos adenocarcinomas e está mais sujeita a inflamação. Uma zona central (Figura 1-2) que rodeia os ductos ejaculatórios que corresponde a 25% do tecido glandular em jovens adultos, e que é resistente à inflamação e transformação neoplásica; e uma zona de transição (Figura 1-3) que rodeia a uretra prostática e é a região da glândula que cresce ao longo da vida, sendo responsável pelo aumento benigno da próstata. 
As glândulas túbulo-alveolares são formadas por um epitélio cuboide ou pseudo-estratificado colunar, rodeado por estroma fibromuscular (Figuras 2 e 3). Este estroma fibromuscular é composto por tecido conjuntivo com elevadas quantidades de fibras de músculo liso (Figura 2).


Figura 1 – Representação esquemática das zonas da glândula prostática Humana. Em 1 está representada a zona periférica, em 2 a zona central e em 3 a zona de transição (adaptado de http://www.harvardprostateknowledge.org/prostate-basics).

Figura 2 – Fotomicrografia de uma glândula prostática humana. Coloração de Mallory-azan que mostra as glândulas túbulo-alveolares (GI) e o tecido fibromuscular entre o tecido glandular. Este tipo de coloração permite distinguir o tecido muscular liso (vermelho) do tecido conectivo do estroma (azul). Podem ainda visualizar-se calcificações (concretions) nos lúmen das glândulas. Ampliação 60X. (Adaptado de: Ross, Michael H. - Histology: a text and atlas: with correlated cell and molecular biology/Michael H. Ross, Wojciech Pawlina.—6th ed).

Figura 3 – Ampliação da fotomicrografia de uma glândula prostática humana. Esta ampliação mostra uma área do epitélio glandular que é pseudo-estratificada. Os núcleos redondos junto ao tecido conectivo (cabeças de setas) pertencem às células basais. Os núcleos mais alongados correspondem a células secretoras. As setas apontam para a região apical destas células. Os sítios marcados a vermelho dentro do tecido conectivo representam células do músculo liso. Ampliação 635X. Adaptado de: Ross, Michael H. - Histology: a text and atlas: with correlated cell and molecular biology/Michael H. Ross, Wojciech Pawlina.—6th ed).




Patologias associadas à Próstata

Existem 3 grandes tipo de patologias associadas à próstata, mas nem todas são malignas. Podemos ter uma situação de infecção da glândula, que pode ou não ser de origem bacteriana, a que se dá o nome de prostatite

A hiperplasia benigna da próstata (HBP), é uma das mais frequentes doenças da próstata. Inicia-se em homens com mais de 40 anos e caracteriza-se por uma aumento da próstata, podendo provocar estreitamento da uretra com dificuldade de micção. Há quem diga que se vivessem tempo suficiente, a maioria dos homens desenvolveria esta patologia. Esta patologia e o cancro da próstata não são o mesmo. O cancro da próstata começa na região periférica e cresce para fora invadindo os tecidos periféricos, a HBP começa numa zona interna da próstata, a zona de transição e cresce para dentro em direção à região mais central da próstata, levando a uma compressão total ou parcial da uretra, provocando dificuldades na micção. Esta patologia é benigna tal como o nome indica, e caracteriza-se por um aumento do número de células na próstata (hiperplasia) (Figura 4), provocando assim o seu aumento de tamanho (hipertrofia). Histologicamente a HBP caracteriza-se por uma proliferação das células epiteliais, ductos, células musculares lisas e fibroblastos do estroma em proporções variáveis.

Figura 4 – Hiperplasia da próstata benigna nodular. Ainda é possível distinguir células basais e estroma que divide as glândulas umas das outras. Normalmente estes elementos estão ausentes nas lesões malignas. (Adaptado de http://www.gfmer.ch).

O cancro da próstata é o tipo de cancro mais frequente no homem em Portugal – estima-se que seja responsável por 10% da mortalidade por cancro (Portal de oncologia Português - http://www.pop.eu.com). Este tipo de cancro desenvolve-se na zona periférica da glândula. Inicialmente as células da próstata apresentam algumas alterações, mas ainda não são invasivas, chamando-se por isso carcinoma in situ ou Prostatic Intraepithelial neoplasia (PIN). Apesar de não existirem evidências de que as lesões PIN estão na origem de tumores, muitos médicos acreditam que o cancro da próstata pode começar com este tipo de lesão. A PIN pode ser de baixo grau, se as células ainda são quase normais, ou de alto grau, se as células já possuem muitas alterações. Os doentes que têm PIN de alto grau têm cerca de 20% de probabilidade de ter cancro e, por isso, devem ter uma vigilância médica apertada.

As características morfológicas da PIN são alterações nucleares, como aumento do tamanho nuclear, alterações na cromatina e aumento do tamanho nucleolar (Figura 5). 

Ao longo do tempo as células alteradas multiplicam-se e espalham-se pelo tecido envolvente (estroma) formando um tumor. O adenocarcinoma da próstata (Figura 6) é vulgarmente classificado pela escala de Gleason, que se baseia em 5 estadios histológicos de formação do tumor na glândula e infiltração. A escala de Gleason atribui aos tumores mais bem diferenciados um valor de 2, e aos pouco diferenciados um valor de 10 (Figura 7). 

Um problema na biologia do cancro em geral e no cancro da próstata em específico é a determinação do fenótipo e nicho das células progenitoras que dão origem ao tumor. O epitélio da próstata consiste em 2 tipos de células, basais e células do lúmen. Um dos factores genéticos associados com o cancro da próstata é a sobre-expressão do proto-oncogene Myc. Alguns autores relacionam os elevados níveis elevados do gene Myc com o aparecimento de lesões PIN e adenocarcinoma invasivo da próstata. 

Num recente artigo publicado na revista científica Plos One os autores correlacionam a sobre-expressão de Myc com as lesões PIN. Utilizando como modelo de estudo ratinhos que desenvolvem lesões PIN semelhantes ao observado em humanos, e adenocarcinomas da próstata como resultado da sobre-expressão de Myc, os autores mostram que as alterações morfológicas e moleculares características da PIN de alto grau aparecem nas células do Lúmen (secretoras) assim que a sobre-expressão de Myc é detectada (Figura 8). 

Uma outra importante descoberta deste artigo prende-se com o facto de apenas as células do lúmen, e não as células basais, mostrarem níveis elevados da proteína Myc e as características morfológicas de PIN. Recorrendo à marcação do tecido da próstata de ratinhos que sobre-expressam Myc com um anticorpo anti-Queratina 5 os autores mostram que apenas as células no compartimento basal são positivas para esta marcação, e que estas não apresentam sinais de aumento de tamanho ou outros sinais morfológicos de transformação (Figura 9). 

Adicionalmente estes autores mostram que as características histopatológicas do PIN induzido por Myc, neste modelo de ratinho, são muito semelhantes às observadas nos humanos, desenvolvendo assim uma importante ferramenta para estudos futuros relacionados com esta patologia.


Figura 5 – Comparação morfológica de um epitélio normal da próstata (A) e lesões PIN (B). As setas indicam nucléolos com tamanho aumentado. Amplificação 400X. (Adaptado de Iwata et al. 2010).


Figura 6 – Morfologia da hiperplasia da próstata (a) e carcinoma da próstata (escala de Gleason 4) (b). Ampliação 200X. Coloração de H&E. (Adaptado de Zhou et al. 2007).


Figura 7 – Escala de Gleason para a classificação do adenocarcinoma da próstata. (Adaptado de Rubin's pathology; clinicopathologic foundations of medicine, 6th ed. Ed. by Raphael Rubin, David S. Strayer and Emanuel Rubin. Lippincott Williams & Wilkins)

Figura 8 – A sobreexpressão de Myc corresponde precisamente às alterações morfológicas nas células do lúmen que têm lesões PIN. Imagens de uma ampliação media (100X) mostram as regiões que correspondem a um epitélio normal assinaladas com um círculo preto, e as regiões que correspondem a lesões PIN assinaladas com um círculo vermelho (A, C). As imagens B e D mostram maiores ampliações das imagens A e C. è evidente nas imagens que as células PIN assinaladas nas imagens de marcação com H&E (A,B), são as mesmas células que marcam positivamente para Myc (células assinaladas a castanho em C e D). (Adaptado de Iwata et al. 2010).


Figura 9 – As células com lesões PIN são negativas para o marcador específico de células basais Queratina-5. A Imagem mostra células de ratinho com lesões PIN que são negativas para a marcação com o anticorpo anti-queratina 5. As células marcadas com anti-Queratina 5 são basais e não apresentam qualquer alteração morfológica (castanho – marcação com anti-Queratina 5). (Adaptado de Iwata et al. 2010).






Bibliografia:

  • Iwata et al. MYC overexpression induces prostatic intraepithelial neoplasia and loss of Nkx3.1 in mouse luminal epithelial cells. PLoS ONE (2010) vol. 5 (2) pp. e9427.
  • Lilja H, Ulmert D, Vickers AJ. 2008. Prostate-specific antigen and prostate cancer: Prediction, detection and monitoring. Nat Rev Cancer 8: 268–278.
  • Zhou T, Xu C, He M, Sun Y. Upregulation of erythropoietin receptor in human prostate carcinoma and high-grade prostatic intraepithelial neoplasia. Prostate Cancer Prostatic Dis. 2007;11(2):143-7.
  • Rubin's pathology; clinicopathologic foundations of medicine, 6th ed. Ed. by Raphael Rubin, David S. Strayer and Emanuel Rubin. Lippincott Williams & Wilkins).
  • Ross, Michael H. - Histology: a text and atlas: with correlated cell and molecular biology/Michael H. Ross, Wojciech Pawlina.—6th ed.
  • http://www.gfmer.ch
  • http://www.harvardprostateknowledge.org/prostate-basics
  • http://www.pop.eu.com

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