Distrofia de Fuchs

Distrofia de Fuchs - Distrofia do Endotélio Corneal
Ana Luísa Vieira



A distrofia de Fuchs, distrofia do endotélio corneal, é uma desordem progressiva da córnea que leva a perda de visão.

Para um melhor entendimento acerca da distrofia de Fuchs, é essencial ter alguns conhecimentos acerca da estrutura do olho em geral e, mais especificamente, acerca da Córnea.1

Fig 1: Esquema do Olho
http://www.portais.ws/?page=art_det&ida=4662


Panorama Geral do Olho:
O olho é um órgão sensorial complexo que proporciona o sentido de visão.1


Estrutura Geral do Olho:
O olho mede cerca de 25 mm de diâmetro. Está suspenso na cavidade óssea orbital por seis músculos extrínsecos que controlam o seu movimento.1


CAMADAS DO OLHO:
  • Camada Externa ou Fibrosa: túnica corneoescleral que inclui a esclera (porção branca) e a córnea (porção transparente)
  • Camada Média: túnica vascular ou Úvea, que inclui o corióide e o estroma do corpo ciliar e a íris
  • Camada Interna: retina que inclui um epitélio pigmentado externo, a retina neural interna e o epitélio do corpo ciliar e da íris


CÂMARAS DO OLHO

  • Câmara Anterior: espaço entre a córnea e a íris
  • Câmara Posterior: espaço entre a superfície posterior da íris e a superfície anterior da lente
  • Câmara Vítrea: espaço entre a superfície posterior da lente e a retina neural
As câmaras encontram-se preenchidas com líquido proteico: humor aquoso. O espaço vítreo apresenta-se preenchido com uma substância viscosa gelatinosa, o corpo vítreo.2

Fazendo parte do aparelho ocular mas localizados fora do globo ocular, encontram-se o aparelho lacrimal e as pálpebras.2


TÚNICA CORNEOESCLERAL: camada externa ou fibrosa

É constituída pela córnea (porção transparente) e a esclera (porção branca)


CÓRNEA:

A córnea é transparente e tem apenas 0,5mm de espessura no centro e cerca de 1mm de espessura na periferia. É o principal elemento refractivo do olho (índice de refracção de 1,376). É avascular.1

Consiste em cinco camadas das quais três são celulares distintas no aspecto e na origem e são separadas por duas membranas não celulares (Fig 2 e 3):

Fig 2: Fotomicrografia da córnea: a. Corte de toda a espessura da córnea. b. Aumento da superfície anterior da córnea. c. Aumento da superfície posterior da córnea (adaptado)1

Fig 3: Esquema das camadas da córnea
http://www.cornealdystrophyfoundation.org/html/cd_defined.html


Epitélio corneal: epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado, consistindo em cerca de cinco camadas de células e mede cerca de 50µm de espessura. É contínuo com o epitélio conjuntival que cobre a esclera adjacente. As células encontram-se aderidas as células vizinhas por desmossomas nos prolongamentos interdigitantes curtos. As células proliferam-se a partir de uma membrana basal, sendo as células basais colunares baixas com núcleos ovóides e redondos; e se tornam pavimentosas na sua superfície com núcleos achatados e picnóticos. O epitélio corneal tem um tempo de renovação de 7 dias.
As células-tronco verdadeiras residem no limbo corneoescleral, a junção entre a córnea e a esclera, e a manutenção do seu microambiente é muito importante para a manutenção da sua função.1

As inúmeras terminações livres do epitélio corneal conferem uma extrema sensibilidade ao toque, e a sua estimulação desencadeia o piscar das pálpebras, fluxo de lárimas e dor intensa.1

As células mais superficiais do epitélio anterior da córnea apresentam microvilosidades mergulhados num fluido protector que contêm lípidos e glicoproteinas (filme lacrimal), evitando o ressecamento da córnea.(Fig 4)1

Fig 4: Córnea Humana.
Cep – epitélio corneal.
B - membrana de Bowman.
S- estroma.
D – membrana Descement.
Cen- endotélio corneal (adaptado)1


Membrana de Bowman (lâmina limitante anterior): é uma lâmina fibrilar homogénea com 8-10µm de espessura, situada entre o epitélio corneal e o estroma corneal subjacente e termina no limbo corneoescleral. É constituída por fibrilas de colagénio com um diâmetro de 18nm e orientadas aleatoriamente. Tem como funções reforçar a córnea, mas principalmente servir como uma barreira para a disseminação de infecções. Não se regenera e, consequentemente, uma vez lesada pode formar-se uma cicatriz opaca.1



Estroma corneal (substância própria): É composto por 60 lamelas delgadas, que consistem em feixes paralelos de fibrilas de colagénio dispostas em ângulos rectos com as lamelas adjacentes (arranjo ortogonal), e, entre elas, estão presentes lâminas de fibroblatos achatados e delgados. A substância fundamental contêm proteoglicanos corneais (luminicana), que são glicosaminoglicanos sulfatados (ex: sulfato de queratana e sulfato de condroitina) ligados covalentemente à proteína (decorina). Pensa-se que o arranjo ortogonal das lamelas seja responsável pela transparência da córnea e que tanto os proteoglicanos como o colagénio tipo V, regulam o diâmetro e o espaçamento entre as fibrilas. Quando este arranjo é alterado, por exemplo, por edema da córnea, há opacificação da córnea.1

Membrana de Descemet (lâmina limitante posterior): lâmina basal das células endoteliais corneais. Consiste numa malha entremeada de fibras e poros. Separa o endotélio corneal do estroma corneal e regenera-se facilmente após lesão. É produzida continuamente, porém aumenta a sua espessura com a idade. Ela estende-se perifericamente sob a esclera como uma malha trabecular, formando o ligamento pectinado. As fibras deste ligamento penetram no músculo ciliar e na esclera e podem ajudar a manter a curvatura da córnea, exercendo tensão sobre a lâmina limitante posterior.1

Endotélio corneal: camada única de células pavimentosas que reveste a superfície da córnea e que faz face com a câmara anterior. As células são unidas em zônulas de adesão bem desenvolvidas, junções oclusivas relativamente extravasantes e desmossomas. As trocas metabólicas da córnea ocorrem através do endotélio. As células do endotélio contêm muitas mitocôndrias e vesículas, reticulo endoplasmático rugoso e aparelho de golgi extensos. Elas demonstram actividade de endocitose e estão envolvidas no transporte activo, importante para a regulação do conteúdo de água do estroma e consequentemente, a transparência da córnea. O endotélio tem uma capacidade proliferativa limitada e se a lesão for grave apenas pode ser reparado com um transplante de córnea de um dador.1



ESCLERA

Apresenta-se opaca e esbranquiçada. É uma camada fibrosa espessa contendo feixes de colagénio achatados que passam em várias direcções e em planos paralelos a sua superfície. Tanto os feixes de colagénio quanto as fibrilas que os formam têm diâmetro e arranjo irregulares. Entremeadas entre os feixes de colagénio estão finas redes de fibras elásticas e uma quantidade moderada de substância fundamental. Os fibroblastos estão dispersos entre essas fibras. A opacidade da esclera deve-se à irregularidade da sua estrutura. Ela, ao contrário da córnea, é atravessada por vasos sanguíneos e o nervo óptico. A esclera é dividida em três camadas mal definidas1:

  • Lâmina episcleral (episclera): camada externa, tecido conjuntivo frouxo adjacente â gordura periorbital 
  • Substância própria da esclera: fáscia de revestimento do olho, composto por uma densa rede de fibras de colagénio espessa 
  • Lâmina supracorioide (lâmina fosca): a fáscia interna da esclera, localizada adjacente à coriòide e contem fibras de colagénio mais finas e fibras elásticas, bem como fibroblasto, melanócitos, macrófagos e outras células do tecido conjuntivo 

O espaço episcleral (espaço de Tenon) está localizado entre a lâmina episcleral e a substância própria da esclera. Esse espaço e a gordura periorbital permitem a rotação do olho dentro da órbita. 2


LIMBO CORNEOESCLERAL

É a zona de transição entre a córnea e a esclera. Nesta junção a lâmina limitante anterior termina abruptamente e o epitélio estratificado passa de 5 camadas de células para 10 camadas de células. A superfície do limbo é composta por dois tipos distintos de células epiteliais: um tipo constituído por células conjuntivais e o outro por células do epitélio corneal.1

Nesta junção, as lamelas corneais tornam-se menos regulares, a medida que se fundem com os feixes oblíquos de fibras de colagéneo da esclera. Uma transição abrupta da córnea avascular com a esclera bem vascularizada, também ocorre nesta região.1

A região límbica, especificamente o ângulo iridocorneal, contêm o aparelho que permite o efluxo do humor aquoso. Na camada estromal, canais revestidos por endotélio denominados de retículo trabecular (espaço Fontana) fundem-se e formam o seio venoso da esclera (canal de Schlemn) que circula o olho. O humor aquoso é produzido pelos prolongamentos ciliares que margeiam a lente na câmara posterior do olho. O líquido passa da câmara posterior para a câmara anterior por uma abertura semelhante a uma válvula entre a íris e a lente. O líquido passa pelas aberturas do reticulo trabecular na região do limbo e continua o seu curso entrando no seio venoso da esclera. Vasos colectores na esclera, denominados de veias aquosas, levam o humor aquoso para as veias sanguíneas localizadas na esclera (Fig 5).1

Fig 5: Fotomicrografia do corpo ciliar e do ângulo iricocorneal (adaptado)1


Distrofia de Fuchs - A Patologia

A distrofia de Fuchs é uma patologia que afecta o endotélio corneal e caracteriza-se pela perda de células desta camada. É uma doença hereditária de transmissão autossómica dominante e é uma das principais indicações de tranplante corneal.3

As duas maiores manifestações de distrofia endotelial Fuchs são: edema do estroma e queratite bolhosa e estão ambas relacionados com a perda primaria de células endotelianas.3

A doença caracteriza-se pela deposição progressiva de material fibrilhar de colagéneo (guttata), entre a membrana de Descemet e o endotélio corneal, que é visível macroscopicamente (Fig 6 e 7).3

Ao exame ultra-estrutural, esta porção recém depositada na membrana de Descemet, consiste em feixes e folhas de colagéneo espaçadas e múltiplas lâminas de material da membrana basal. O crescimento da guttata corneal progride do centro da córnea para a periferia.4

Fig 6: Endotelio corneal num paciente com distrofia de Fuch. Seta preta – zona de depósito de Guttata http://www.images.missionforvisionusa.org/anatomy/2005/11/fuchs-corneal-endothelial-dystrophy.html
Fig 7: Fotografia da Guttata http://smjohnsonmd.com/Fuch%27s%20Dystrophy.html 

À medida que a doença progride, as células endoteliais vão sendo pressionadas pelo material depositado e acabam por haver morte celular. Consequentemente, existe uma diminuição no número total de células endotelianas e as células residuais são incapazes de manter o equilíbrio no estroma (Fig 7).3

Fig 8: Distrofia de Fuch: A- edema corneal severo num paciente com distrofia de Fuch. B- microfotografia do endotélio corneal normal. C- microfotografia de endotélio corneal de um paciente com distrofia de Fuch, mostrando um menor número de células endoteliais dilatadas e com zonas escuras correspondentes ao depósito de guttata.(adaptado)


Com a perda da barreira endotelial, o estroma corneal torna-se edematoso e espessado. O fluido do edema separa as lâminas do estroma corneal, o que leva a opacificação da córnea. Conforme a doença progride, o líquido entra no epitélio, levando a que este se destaque da membrana de Bowman e forme bolhas que podem rupturar (Fig 8). 3

Com o avanço da doença forma-se tecido conjuntivo vascularizado entre o epitélio e a membrana de Bowman. Esta condição é seguida por complicações secundárias, como por exemplo, erosões epiteliais, ulceração microbiana e vascularização da córnea.3

Fig 9: Distrofia de Fuch - Aparência microscópica da córnea mostrando depósitos de “guttata” na superfície posterior da membrana de Descemet e presença de quistos no epitélio corneal. http://en.wikipedia.org/wiki/Fuchs%27_


A distrofia de Funch é uma patologia bilateral, mais frequente em mulheres do que homens (3:1). Os problemas de visão normalmente não aparecem antes dos cinquenta anos, mas os primeiros sinais podem ser observados a partir dos 30 a 40 anos. A prevalência foi estimada em 5% nas pessoas com mais de 40 anos, nos Estados Unidos.5

A doença desenvolve-se em duas fases. Na primeira fase, os sintomas estão ausentes ou são suaves. Nos estados iniciais, o edema corneal ocorre apenas de manhã e tende a desaparecer ao longo do dia. Este facto deve-se a retenção de fluidos durante a noite que acabam por evaporar com o filme lacrimal durante o dia. Com a evolução da doença, fase 2, a visão mantêm-se turva ao longo do dia. Nesta fase, os paciente podem ter dor e sensibilidade à luz (fotofobia). Condições climáticas extremas, como zonas de elevada humidade, podem piorar a condição. Com o tempo, estes pacientes desenvolvem cicatrizes na córnea, que o deixam mais confortável, mas que impedem a visão (formação de tecido fibroso não transparente), aparecem bolhas na superfície da córnea (queratite bolhosa) (Fig 9 e 10).

Pode demorar 10 a 20 anos, ou mais, para a distrofia de Fuch evoluir até à sua fase final. Nesta fase há uma perda significante da capacidade visual e torna-se essencial um transplante de córnea.6

Fig 10: Paciente com Distrofia de Fuch
http://odlarmed.com/?p=3677

Fig 11: Paciente com Distrofia de Fuch
http://webeye.ophth.uiowa.edu/eyeforum/atlas/pages/cornea-total-corneal-decompensation-epithelial-edema.html

O tratamento paliativo consiste no alívio dos sintomas e na melhoria da capacidade de visão, através de colírios que reduzem o edema epitelial e aumentam a tonicidade do filme lacrimal para prevenir a acumulação de fluido corneal durante a noite. O tratamento cirúrgico consiste no transplante da córnea: queratoplastia penetrante (transplante de toda a córnea) ou queratoplastia endotelial (DSEK) (transplante do endotélio e membrana de descement) (Fig. 11).7

Estudos demonstraram a capacidade de crescimento de celúlas endoteliais humanas in vitro. Estudos demonstram que, no futuro, com a engenharia dos tecidos, poderá tornar-se possível o transplante de células endoteliais corneais humanas produzidas in vitro.8

Fig 12: Distrofia de Fuch . Antes e depois da cirurgia de queratoplastia entodelial
http://drbradelkins.com/2011/07/fuchs-dystrophy/


Bibliografia:

  • Ross, M H. Wojciech P. Histology. A Text and Atlas. Lippincott Williams&Wilikins. 6ª edição. 2011. 
  • Junqueira, LC. Carneiro,J. Basic Histology: Text &Atlas. MacGraw-Hill. 11ª edição2005. 
  • Kumar,V. Abbas,AK., Aster,J. Fausto, Nelson. Robbins and Cotran Pathologic Basis of Disease. Saunders. 8ª edição. 2009. 
  • Singh, D. Roy H. Fuchs Endothelial Dystrophy. http://emedicine.medscape.com/article/1193591-overview. (acedido a 15 de Janeiro de 2012) 
  • Baratz, K. Tosakulwong, N. Ryu, E. Browm, W. Schmid-Kubista, K. Heckenlively, J, et al. E2-2 Protein and Fuch’s Corneal Dystrophy. N Engl J Med. Setembro de 2010. Vol 363;11. Pág.1016-1024 
  • Johnson, S. Fuch’s Dystrophy. Eye Facts. http://smjohnsonmd.com/Text/Fuch%27%20combined.pdf (acedido a 16 de janeiro de 2012) 
  • Srinivasan, S. Kaye, S. Batterbury M. Corneal Endothelial Transplatantion. Focus. The Royal College of Ophthalmologists. 2007. Pág. 5-6 
  • Peh, G. Beuerman,R. Colman, A. Tan, D. Mehta J.2011 Human Corneal Endothelial Cell Expansion for Corneal Endothelium Transplantation: An Overview. Transplatation. Abril de 2011.Vol 91;8. Pág. 811-818






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