Cancro do Pulmão


Cancro do pulmão: diagnóstico precoce?
Odília Godinho



Introdução

O cancro do pulmão é o tipo de cancro que mais mortes causa, tanto nos Estados Unidos da América (EUA), como no mundo em geral. 
Podemos classificar o cancro do pulmão em 2 grandes grupos: carcinoma de pequenas células (representa cerca de 15% dos casos) e carcinoma de não pequenas células (representa cerca de 85% dos casos).
Dentro do carcinoma de não pequenas células, temos 3 tipos histológicos diferentes: adenocarcinoma, carcinoma de células grandes e carcinoma de células pavimentosas (carcinoma espinocelular)
Os dados estatísticos referem que o tabagismo é o principal factor de risco para o desenvolvimento de cancro do pulmão: 87% aparecem em fumadores activos ou ex-fumadores. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, em Portugal, cerca de 19,7% da população é fumadora. Um estudo realizado pela Comissão de Trabalho de Pneumologia Oncológica da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Portugal entre 2000 e 2002, que englobou 22 hospitais, mostrou que, de um total de 4396 utentes com cancro do pulmão, cerca de 70% era fumador ou ex-fumador. 
Contudo, também os fumadores passivos apresentam um risco aumentado. Estima-se que, nos EUA, cerca de 3000 adultos não fumadores morram por ano, devido à inalação de fumo de tabaco em ambientes poluídos.




Etiologia


Embora o fumo do tabaco seja considerado um factor de risco para o desenvolvimento de qualquer tipo de carcinoma do pulmão, encontra-se mais fortemente relacionado com um dos tipos (referidos anteriormente): o carcinoma espinocelular.
O fumo do tabaco contém mais de 1200 substâncias, muitas das quais apresentam efeito carcinogénico: benzopireno, elementos radioactivos (potássio, carbono), e outros contaminantes (arsénico, níquel).
A exposição repetida a estes agentes causa alterações genéticas nas células, que se vão acumulando e eventualmente conduzem ao desenvolvimento de uma neoplasia, das quais se destacam:
  • O carcinoma espinocelular, de todos os tipos de carcinoma do pulmão, é o que apresenta maior frequência de mutações ao nível do gene supressor p53, alteração que já está presente em 10% a 50% das displasias. 
  • Perda de expressão do gene supressor RB1 está presente em 15% dos casos
  • A superexpressão do receptor de factor de crescimento EGFR tem sido detectada em 80% dos carcinomas de células escamosas.
Além dos hábitos tabágicos, existem outros factores que podem coexistir na carcinogénese, nomeadamente a susceptibilidade do indivíduo, relacionada com a herança genética. Contudo, este tema não será incluído na presente apresentação.



Características histológicas do brônquio do não fumador


As figuras 1 e 2 apresentam cortes histológicos dos brônquios de um indivíduo não fumador. Tendo em conta as figuras, pode-se descrever as características dos tecidos que os compõem.
A mucosa é composta por tecido epitelial pseudo-estratificado ciliado, ou seja, observam-se camadas de células com núcleos em diferentes alturas, em que nem todas alcançam a superfície mas todas se apoiam na lâmina basal. Neste epitélio encontram-se ainda células caliciformes, produtoras de muco. No topo identificam-se cílios.
Tendo em conta a especificidade dos brônquios, este tecido é particularmente importante. As partículas/microrganismos contidos no ar inspirado aderem ao muco, que é expelido através do movimento contínuo dos cílios, mantendo os pulmões livres de agentes agressores.
A muscularis mucosa é uma camada contínua de músculo liso. A contracção deste músculo regula o diâmetro apropriado da via aérea.
A submucosa apresenta tecido conjuntivo e glândulas, nomeadamente serosas.
A camada de cartilagem é constituída por cartilagem hialina.

Fig. 1 – Corte da parede de um brônquio.
Fonte: http://www.kumc.edu/instruction/medicine/anatomy/histoweb/resp/resp.htm



Fig. 2 – Corte da parede de um brônquio. Coloração: Pararrosanilina e azul-de-toluidina.
Fonte: Junqueira e Carneiro, Histologia Básica




Caraterísticas histológicas do brônquio do fumador

Com a exposição continuada dos brônquios ao fumo do tabaco, o epitélio pseudo-estratificado ciliado caraterístico da sua mucosa sofre um processo de metaplasia, sendo substituído por epitélio estratificado pavimentoso. Esta “substituição” acontece no sentido de tornar o tecido mais resistente à agressão provocada pelo tabaco. 
De notar que a metaplasia não ocorre devido à mudança do fenótipo das células. Em vez disso, resulta da reprogramação das células estaminais existentes no tecido.
Tendo em conta as figuras 3 e 4, pode-se descrever as características dos tecidos dos brônquios de um indivíduo fumador.
A mucosa é constituída por tecido epitelial estratificado pavimentoso, não apresentando células caliciformes nem cílios. Desta forma, não existe a produção de muco para reter as partículas nem cílios para as transportar para o exterior, ou seja, o aparecimento do “novo” tecido faz com que os brônquios percam a sua função.
Podem-se também encontrar macrófagos que apresentam no seu interior partículas escuras, que correspondem a carbono fagocitado proveniente do fumo do tabaco.
As restantes camadas normalmente permanecem com as suas características preservadas, pelo menos enquanto a metaplasia não evolui para carcinoma espinocelular.


Fig. 3: Brônquio apresentando metaplasia – epitélio estratificado pavimentoso.
Fonte: http://www.pathguy.com/histo/089.htm




Fig 4: Imagem de macrófagos após fagocitarem carbono advindo do fumo do tabaco.
Fonte: http://www.pathguy.com/histo/097.htm



Caraterísticas histológicas do carcinoma espinocelular

Após anos de metaplasia, pode instituir-se o carcinoma in-situ, que precede o carcinoma invasivo.
Tendo em conta a figura 5, pode-se descrever as características do carcinoma espinocelular in situ.
O epitélio apresenta perda completa de polaridade, crescimento desorganizad e pleomorfismo das células.
A membrana basal mantém-se íntegra.
A análise histológica do tumor é importante para o estadiar, de forma a fundamentar os procedimentos a tomar.


Fig 5: Imagem do carcinoma-in-situ.
Fonte: Robbins and Cotran



Investigação científica na área do cancro do pulmão

O diagnóstico do cancro do pulmão é realizado, na maioria das vezes, numa fase evolutiva bastante avançada, por métodos como a tomografia computorizada, ressonância magnética e análise histológica, aquando de queixas sintomáticas por parte do utente e consequente suspeita, por parte do médico, de carcinoma do pulmão. Tal reflecte-se no prognóstico negativo associado a esta patologia. Assim, são necessários métodos que visem o diagnóstico numa fase mais precoce.
De forma a colmatar esta necessidade, um grupo de investigadores da Universidade de Aveiro, Faculdade de Medicina de Coimbra e Hospitais da Universidade de Coimbra tem estado a trabalhar numa nova forma de diagnosticar o cancro do pulmão, através da análise de biofluidos de indivíduos com carcinoma do pulmão. Esta análise pretende detectar metabolitos endógenos, que reflictam as alterações do metabolismo celular do tumor.
Esta equipa tem publicado os resultados das suas investigações, sendo o artigo mais recente (publicado em 2011) entitulado por “Metabolic Signatures of Lung Cancer in Biofluids: NMR-Based Metabonomics of Urine”. Neste estudo pretenderam investigar a presença de metabolitos resultantes do cancro do pulmão na urina, através da utilização de ressonância magnética, tendo como objectivo avaliar o potencial de diagnóstico desta técnica. Assim, realizaram um ensaio clínico que incluiu uma amostra de 71 indivíduos diagnosticados com cancro do pulmão e 54 considerados saudáveis (os quais assinaram consentimento informado).
Com a aplicação da técnica e posterior análise multivariada dos espectros, os indivíduos do grupo experimental apresentaram níveis reduzidos de hippurate e trigonelline e níveis elevados de β-hydroxyisovalerate, R-hydroxyisobutyrate, N-acetylglutamine, e creatinine, quando comparados ao grupo de controlo (p<0,05).
Os resultados obtidos mostram que a técnica tem potencial para encontrar possíveis biomarcadores de cancro do pulmão na urina. Tal poderá ter um importante impacto ao nível do diagnóstico, uma vez que os metabolitos encontrados parecem ser específicos para a doença e a sua recolha é minimamente invasiva.
O grupo afirma que um dos passos seguintes é estudar as características metabonómicas dos fumadores crónicos e verificar até que ponto este hábito se correlaciona com lesões pré-neoplásicas, ou seja, com a doença numa fase muito inicial.





Bibliografia

  • Carrola, J. et al, - Metabolic Signatures of Lung Cancer in Biofluids: NMR-Based Metabonomics of Urine. Journal of Proteome Research 2011, 10, 221–230.
  • Vander et al's - Human Physiology: The Mechanisms of Bbody Function. 9th Edition, 2003
  • Herbst, R. et al – Lung Cancer. The new england journal of medicine. 2008; 359:1367-80
  • Junqueira LC, Carneiro J. Histologia Básica. 10ª ed., Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2004
  • Parente, B. et al - Epidemiological study of lung cancer in Portugal (2000/2002). Revista Portuguesa de Pneumonologia. 2007.
  • Robbins and Cotran – Pathologic basis of disease. Eight Edition. Saunders Elsevier.
  • http://www.pathguy.com/histo/089.htm
  • http://www.kumc.edu/instruction/medicine/anatomy/histoweb/resp/resp.htm
  • http://www.ciceco.ua.pt/noticias.html?id=47&lang=pt

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